Eu sempre tive uma coisa com palavras - é uma mistura de curiosidade e admiração. A capacidade de apreciar palavras em três idiomas diferentes é uma bênção que eu levo muito a sério. Minhas palavras favoritas têm um significado mais complexo, quase como se estivessem tentando explicar o inexplicável.
Serendipidade. Inefável.
Como brasileira, só comecei a apreciar certas palavras em português depois que me mudei para Nova York. Saudade, por exemplo, é a minha palavra favorita em português. Não apenas porque parece poético, mas pelo que pode significar para tantas pessoas diferentes.
Há dois anos comecei a escrever sobre saudade e fiz uma pausa por várias razões. Agora, como o distanciamento social se tornou o novo normal e nos encontramos em quarentena e isolados nesses tempos difíceis, decidi revisitar esse projeto e mergulhar mais fundo no conceito de saudade.
O site Dictionary.com define saudade como um "termo português intraduzível para o inglês que se refere ao anseio ou anseio melancólico. Um tema recorrente na literatura portuguesa e brasileira, a saudade evoca uma sensação de solidão e incompletude".
O pesquisador português Aubrey Bell tentou destilar esse conceito complexo em seu livro de 1912, Em Portugal, descrevendo-o como "um desejo vago e constante por algo que não existe e provavelmente não pode existir, por algo que não seja o presente".
Bell continua dizendo que a saudade "não é um descontentamento ativo ou uma tristeza pungente, mas uma melancolia indolente e sonhadora". A saudade pode ser usada mais casualmente para dizer que você sente falta de alguém ou de alguma coisa, mesmo que a veja em breve. Difere da nostalgia, pois se pode sentir saudade de algo que nunca poderia ter acontecido. Por outro lado, a nostalgia é "um desejo sentimental pela felicidade de um lugar ou época anterior".
Embora eu possa me relacionar com a definição acima, prefiro a versão mais simples do dicionário brasileiro. Descreve a saudade como um sentimento melancólico que você sente por estar longe de uma pessoa, uma coisa ou lugar, ou a ausência de experiências agradáveis que você já viveu.
Minha mãe, Cleusa Aparecida Paula, mudou-se do Brasil para Nova York em 1996. Eu ainda era um bebê. Saudade foi uma palavra que usamos diariamente nos 13 anos que passamos separados.
Pedi à minha mãe que compartilhasse a primeira coisa que ela pensou quando ouviu a palavra. Seus olhos brilhavam de uma maneira inocente, infantil. Ela me deu uma resposta ingênua e doce, que foi capaz de me transportar de volta para a fazenda em que ela cresceu, mesmo que eu nunca tenha estado lá.
Livia Paula/2003
"Faz 24 anos que me mudei para esta selva de concreto. Sinto muita saudade da minha terra. O cheiro da grama e o som dos galos nos acordando ao amanhecer anunciando um novo dia. O som do gado e dos cavalos. Cães felizes, latindo de emoção enquanto cumprimentam seus donos. Passarinhos cantando e as intermináveis conversas dos papagaios. Ah, quanta saudade isso me faz sentir. Adoro viver em Nova York, mas esse sentimento me acompanhará pelos anos que virão ".
Senti falta da minha mãe quando era criança. Não existia Zoom ou FaceTime naquela epoca. Em vez disso, vimos fotos de infância e puberdade desajeitadas sendo enviadas da minha cidade natal para Nova York. Em 2006, conseguimos uma webcam pixelizada de baixa qualidade com uma conexão muito lenta à Internet que tornava a comunicação um pouco mais agradável, mesmo de longe.
Existe uma expressão brasileira, "matando a saudade". É quando você age para aliviar a sensação de perder algo ou alguém.
Isso varia desde finalmente ver a pessoa que você deseja ver, visitar um lugar para o qual está morrendo de vontade de voltar, ou simplesmente encontrar um amigo que não vê há anos. Ligações telefônicas, álbuns de fotos e conversas ocasionais na webcam foram a maneira de nossa família matar as saudades um pouco até nos encontrarmos novamente.
Embora eu sentisse falta da minha mãe quando criança, nossa distância teve um preço muito maior para ela. Afinal, eu tinha uma família amorosa ao meu redor no Brasil e ela estava muito presente, mesmo que à distância. Ela impôs regras e nos disciplinou de outro país, e minha irmã e eu respeitamos muito ela.
Enquanto eu estava cercada por minha irmã, tia, avó e prima, minha mãe não tinha uma família com ela. Antes de conhecer meu padrasto, era apenas um telefone, fotos e muito trabalho para garantir que sua família tivesse a melhor educação e infância possível. Mesmo depois que ela se casou, não foi fácil lidar com o vazio de não ter suas filhas por perto. Ainda assim, ela fez um trabalho maravilhoso.
“A saudade que eu sentia das minhas meninas era tão intensa, que por várias noites, quando sentia aquele vazio, eu tive que morder meu travesseiro para não gritar”, disse minha mãe quando lhe pedi que descrevesse como ela se sentiu longe de minha irmã e de mim. "Era uma dor tão forte que parecia que eu tinha um punhal entrando no coração", acrescentou.
Ela disse que os dias costumavam ser vazios e sem cor, mas que sua decisão de buscar um novo começo para melhorar a nossa vida é o que a manteve motivada por todos esses anos.
Ambos os nossos aniversários são em abril. O dela é 1º de abril e o meu é 14 de abril. Passei a pandemia longe da mamãe, e posso dizer honestamente que nunca pensei que passar nossos aniversários separados ou que não poder abraçá-la, como aconteceu da última vez que nos vimos me faria sentir uma dolorosa sensação de saudade. Embora eu já não passasse tanto tempo com ela durante a rotina do dia-a-dia, quando as coisas estão "normais" em Nova York, a idéia de não poder fazer isso agora me machuca. Sinto falta das nossas noites de vinho e pipoca que não temos há um tempo e rindo da brincadeira de nossa gata Tigresa.
Eu tenho um gostinho bem pequeno de como ela deve ter se sentido ao longo dos 13 anos que passamos separados. E se há uma coisa que espero quando tudo acabar, é um longo abraço da mamãe.
E você? Do que você se sente saudade?